Vista a olho nu como uma mancha nebulosa no céu noturno, a galáxia de Andrômeda é citada pelos astrônomos desde 964 d.C., quando apareceu no “Livro das Estrelas Fixas” do persa Abd al-Rahman al-Sufi. Mas coube a Edwin Hubble, o patrono do atual telescópio espacial, provar conclusivamente que ela era uma galáxia separada da Via Láctea há 100 anos, usando um telescópio Hooker de 100 polegadas.
Analisando o imenso objeto celeste como uma estrutura autônoma, os cientistas perceberam que a chamada M31 representava uma ameaça para nós. É que, como ela possuía uma velocidade radial negativa, estava (e está) se deslocando em direção à nossa Via Láctea a uma velocidade de 110 km/s, o que aponta para uma colisão nos próximos 5 bilhões de anos.
Agora, um artigo recente de pesquisadores da Universidade de Helsinque, da Finlândia, propõe “uma probabilidade próxima de 50% de que não haja fusão entre a Via Láctea e Andrômeda durante os próximos 10 bilhões de anos”. Hospedado no repositório de preprints arXiv, e ainda não revisto por pares, o estudo se baseou em observações atuais e precisas dos telescópios espaciais Gaia e Hubble, e em cálculos teóricos consensuais mais recentes.
Por que os pesquisadores contestam a colisão da Via Láctea com Andrômeda?
Para contestar cálculos tão “galácticos”, os autores fizeram uso de um conceito da física que se popularizou em uma série de TV recente: o problema dos três corpos, que, no estudo atual, envolve quatro. Quando a questão inclui só dois corpos se atraindo gravitacionalmente, Via Láctea e Andrômeda, a solução é simples, mas, quando envolve um terceiro (a galáxia do Triângulo M33), a coisa se complica. E há ainda a Grande Nuvem de Magalhães.
Não dá para avaliar as interações entre Andrômeda e Via Láctea isoladamente em uma região do Universo que compreende aproximadamente 100 galáxias, menores em sua maioria, no que os astrônomos chamam de Grupo Local. A maior delas, a do Triângulo, tem “só” 40 bilhões estrelas, o que representa 40% das 100 bilhões de estrelas da Via Láctea, mas apenas 4% do 1 trilhão de estrelas de Andrômeda.
Explicando um pouco da mecânica orbital do “enrosco” entre as duas galáxias, Fraser Cain, editor do Universe Today, lembra que cada uma das galáxias do Grupo Local tem sua própria atração gravitacional, que influencia os percursos de Andrômeda e da Via Láctea. E, para confundir ainda mais o cenário, temos a Grande Nuvem de Magalhães, maior que a Via Láctea, menos massiva que a M33, mas ainda assim com uma respeitável atração gravitacional.
Como foi calculada a estimativa de 50% de não colisão?
Nebulosa da Tarântula, na Grande Nuvem de Magalhães.Fonte: NASA/ESA/CSA/STScI/Webb ERO Production Team
Os autores descobriram que a M33 e a Grande Nuvem de Magalhães, nossas vizinhas mais massivas no Grupo Local, “afetam distinta e radicalmente a órbita da Via Láctea – Andrômeda”, diz o estudo. Apesar de, com a M33 na equação, a probabilidade de fusão aumentar, a inclusão da Grande Nuvem de Magalhães, cuja órbita é perpendicular às, das duas galáxias colidentes, torna a fusão menos provável.
Assim como no problema dos três corpos, a questão aqui é reduzir a incerteza. No entanto, quando o problema envolve transformar em números a velocidade rotacional das quatros galáxias envolvidas ou a distância entre elas, a incerteza impera. O movimento de objetos fluidos compostos de bilhões de estrelas, gases e poeira é muito difícil de modelar. Isso sem falar dos efeitos da matéria escura, algo que nem sabemos se existe.
Por isso, os autores preferiram deixar os números concretos de lado e fixar “uma probabilidade próxima de 50% de que não haja fusão”, diz o estudo. De qualquer forma, ainda resta muita incerteza nessa estimativa, e muitos fatores a ponderar como, por exemplo, a influência combinada das outras galáxias do Grupo Local.
Seja como for, a possibilidade de uma fusão espetacular das duas galáxias em uma suposta Milkômeda permanece um mistério que só o tempo dirá, embora, quando isso acontecer (ou não), nem nós, nem nossa Terra estaremos aqui para testemunhar.
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