A pintura “A Noite Estrelada” de Vincent van Gogh, conhecida mundialmente pelos seus icônicos redemoinhos, sempre encantou a todos pela representação fantástica do céu como uma explosão de formas e cores. Mas, a partir dos anos 2000, um novo grupo se juntou aos especialistas do trabalho: os físicos.
Um estudo célebre, publicado em 2006, sugeriu que os aspectos dos fluxos de energia representados pelos traços do artista holandês podem estar ligados a conceitos físicos de turbulência, como se seguissem a chamada teoria da turbulência do matemático russo Andrei Kolmogorov, de 1941, proposta mais de 50 anos depois da obra.
Agora, em um artigo publicado recentemente na revista Physics of Fluids, uma equipe de pesquisadores da China e da França retomaram a teoria. Porém, ao contrário dos estudos anteriores, que examinaram parcialmente a pintura, na pesquisa atual, todos os redemoinhos ou vórtices da pintura foram considerados como um todo, buscando descobrir o que os autores chamam de “turbulência oculta”.
Céus turbulentos na pintura de Van Gogh e na teoria de Kolmogorov
Medição da escala e espaçamento das pinceladas giratórias de Van Gogh.Fonte: Yinxiang Ma et al.
Um fenômeno que não podemos ver com os nossos olhos, a distribuição da energia se dá, segundo a teoria da turbulência de Kolmogorov, em fluidos turbulentos. Em grandes escalas, diz o matemático, a energia é transferida para escalas menores de forma contínua, até se dissipar em calor nas menores escalas.
Embora as nuvens possam refletir essa atividade contínua, a correta compreensão da turbulência atmosférica demanda instrumentos capazes de mapear esses movimentos invisíveis. Nesse sentido, a teoria da turbulência apresenta uma estatística para entender esses padrões caóticos, tanto em correntes atmosféricas como em fluxos de líquidos.
Como não podiam medir a turbulência daquela noite mágica de 1889, sobre o asilo de Saint-Paul-de-Mausole, na França, a equipe de cientistas liderada pelo físico Yinxiang Ma, da Universidade de Xiamen, na China, decidiu medir as pinceladas de Van Gogh para conferir se são consistentes com a teoria do matemático russo.
O que as pinceladas da pintura de Van Gogh revelaram?
Van Gogh aplicava a tinta em camadas espessas e texturizadas.Fonte: Getty Images
Para testar suas hipóteses, os autores utilizaram uma imagem digital em alta resolução da obra de arte para ampliar e examinar detalhadamente as pinceladas em cada um dos 14 espirais e redemoinhos. A análise considerou os movimentos sugeridos na pintura a óleo como marcadores de turbulência atmosférica.
Para conferir a correlação com a escala de Kolmogorov, a equipe examinou minuciosamente as propriedades espaciais e também a intensidade da luz refletida pela tinta usada na pintura. Van Gogh utilizava uma técnica chamada impasto, na qual a tinta é aplicada em camadas espessas e texturizadas, criando uma superfície com relevos visíveis.
O “resultado sugere que Van Gogh teve uma observação muito cuidadosa dos fluxos reais, de modo que não apenas os tamanhos dos redemoinhos/vórtices em ‘A Noite Estrelada’, mas também suas distâncias e intensidades relativas seguem a lei física que governa os fluxos turbulentos“, conclui o estudo.
Novos aspectos desconhecidos da pintura de Van Gogh
Novas pesquisas sobre a obra de Van Gogh podem orientar a compreensão da física.Fonte: Getty Images
Além de comprovar a correlação entre a pintura de Van Gogh e a teoria de Kolmogorov, a análise das menores escalas das pinceladas do artista revelou outra surpresa: a pintura é também consistente com o espectro de potência dos escalares, uma teoria proposta em 1959 pelo australiano George Batchelor.
Esse matemático criou um modelo para descrever o espectro de potência dos escalares, propriedades físicas que mostram como a energia de um fluido turbulento é transferida de grandes para pequenas escalas de movimento. Esse padrão complementa a teoria de Kolmogorov.
Os pesquisadores esperam que futuras pesquisas experimentais na obra “A Noite Estrelada” possam dar pistas de como o genial artista conseguiu capturar a natureza da turbulência. “Parece que é hora de propor uma nova definição de turbulência para abranger mais situações”, propõem os autores em um comunicado.
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