Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Temos nossos passos contados diariamente. A maioria dos dispositivos como smartwatches e smartphones, dos mais simples aos mais complexos, possuem um contador de passos – um pedômetro. Foi a partir de um desses aparelhos que surgiu a mensagem de que precisaríamos, para o bem de nossa saúde, andar pelo menos 10 mil passos por dia.
Mas afinal, o que mostra a ciência mais atual sobre a quantidade de passos que andamos por dia e sua relação com saúde e mortalidade? Um novo estudo nos apresenta informações que podem “guiar nossos próximos passos”.
A origem da meta de 10 mil passos/dia
A métrica de fácil recordação e forte apelo – 10 mil passos por dia, surgiu há quase 60 anos, quando em 1965 um pedômetro chamado “Manpo-kei” (que se traduz em 10 mil metros de passos) da empresa Yamasa Clock foi lançado.
Os anos seguintes foram marcados por algumas pesquisas reforçando a crença sobre a necessidade de andar diariamente esse número de passos. Entretanto, as evidências mais atuais parecem discordar.
Pesquisas recentes indicam que mesmo abaixo de 10 mil passos, existem benefícios. Além disso, parece que nem sempre ultrapassar a marca resulta em benefícios adicionais. Estudo de Harvard mostrou que com 4,4 mil passos/dia, mulheres tiveram taxa de mortalidade reduzida, comparadas a quem andou apenas 2,7 mil/dia. Em outra pesquisa, 4 mil passos/dia foram inferiores para reduzir riscos de mortalidade, comparado a quem andou 8 mil/dia.
Com o acúmulo de pesquisas, foi necessário reuni-las para tirar melhores conclusões. Foi o que pesquisadores da Espanha fizeram até maio de 2024, publicando no mês seguinte o estudo de revisão na revista científica Preventive Medicine. Houve uma atualização na recomendação a partir da análise dos estudos mais recentes.
Estudo mostra que o mínimo de passos por dia para reduzir risco de mortalidade é de pouco mais de 3 mil.Fonte: Getty Images
Qual o mínimo e a dose ótima de passos por dia?
A primeira conclusão dos autores é que a variabilidade é grande, ou seja, os resultados variam bastante em cada estudo. Apesar disso, foi possível confirmar que há uma associação não-linear entre número de passos e redução do risco de mortalidade por todas as causas.
- O mínimo de passos por dia? Parece que está em torno de 3.143 passos/dia. Aumentar os passos por dia está relacionado a redução no risco de morrer precocemente.
- A dose ideal de passadas? Parece que a dose ótima de passos está entre 7 mil e 9 mil por dia. Aumentar 1 mil passos por dia foi associado a 9% de redução no risco de mortalidade por todas as causas.
Essa é mais uma pesquisa que confirma que a meta de 10 mil passos/dia tem mais a ver com marketing do que com dados científicos.
A marca de 10 mil passos é fruto de marketing e não de evidências científicas.Fonte: Getty Images
Tal como tem sido feito em outras pesquisas, foram criadas categorias;
- Estilo de vida sedentário: Menos do que 5 mil passos/dia;
- Ativo nível baixo: Entre 5 mil e 7,5 mil passos/dia;
- Um pouco ativo: Entre 7,5 mil e 10 mil passos/dia;
- Ativo: Entre 10 mil e 12,5 mil passos/dia;
- Muito ativo: Acima de 12,5 mil passos/dia.
Nesse caso, mais foi melhor. As categorias de atividade física mostraram progressivamente diminuição no risco de morte, com a categoria muito ativo exibindo menor risco.
Peter Attia no livro best-seller Outlive afirma que o impacto positivo dos exercícios na longevidade são os mais irrefutáveis que se podem encontrar em toda a biologia humana. Esse exercício pode ser o mais simples possível, como a caminhada: gratuita, acessível e que quase todos podem realizar.
Experimente andar durante 1 minuto e contar seus passos. Cem passos por minuto é uma média indicada na literatura. Em uma hora, o total de passadas seria de 6 mil. Em meia hora, você teria andado os 3 mil passos mínimos, conforme indicado na pesquisa.
Devemos esquecer a meta de 10 mil passos/dia?
Não necessariamente, pois se for possível é desejável que se caminhe mais. Considerando o mínimo para benefícios, seriam apenas três momentos do dia em que caminharíamos por cerca de 10 minutos.
O fato é que, frente ao estilo de vida sedentário contemporâneo, que nos engessa e paralisa, pois proporciona tudo que precisamos em segundos com dedos se movendo sobre a tela do celular, talvez a meta de 10 mil passos por dia fique severamente distante de muitas pessoas, o que pode ser impraticável em alguns casos e desanimá-las. Portanto, é coerente estabelecer metas menores e plausíveis ao contexto.
Na prática…
É como sugere David Raichlen – antropólogo da Universidade do Sul da Califórnia: “abra a porta e dê mil passos”, pois é surpreendente o quão pouco precisamos para ganhar benefícios. Pode ser que a redução no risco de mortalidade por todas as causas em 9%, a partir dos 1 mil passos a mais, não te motive.
Para levantarmos do sofá, precisamos visualizar ganhos mais rápidos do que o gasto de energia e tempo que teremos, para que os benefícios sejam maiores do que os custos. Nesse sentido, fique atento aos resultados imediatos que uma caminhada pode te proporcionar: alívio mental dos estressores, bem como clareza e criatividade. Cada passo conta.
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Fábio Dominski é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/UDESC). Faz divulgação científica nas redes sociais e em podcast disponível no Spotify. Autor do livro Exercício Físico e Ciência – Fatos e Mitos.