Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Há alguns meses tenho realizado um experimento pessoal e profissional: visitar e treinar em diversas academias de musculação. O objetivo da experiência que chamei de “tour academias” é analisar como está o ambiente mais comum de prática de exercícios no mundo, bem como a realização de exercícios lá dentro. Para tal experimento, utilizo o olhar de um praticante de musculação há 15 anos, mas também como um profissional de Educação Física e pesquisador da área da psicologia do exercício. Passei por mais de 50 estabelecimentos e notei alguns aspectos importantes.
Ao estabelecer paralelos com o que a ciência nos mostra, podemos analisar o que é realizado dentro das academias e se esse cenário tem ajudado ou dificultado a relação das pessoas com exercícios.
Cenário dividido: academias de bairro x de rede
Nas grandes cidades está clara a dicotomização do modelo de negócios nas academias: de bairro ou de rede (low cost). Em termos gerais, as primeiras se preocupam um pouco mais se você realmente vai treinar, as segundas apenas se você está pagando.
Entenda 5 aspectos da prática nas academias e a relação com a ciência:
Academias de musculação: estão facilitando ou dificultando os exercícios das pessoas?Fonte: GettyImages
1. Planos anuais e taxas de desistência
Estudos demonstram elevada taxa de desistência em 1 ano de análises em academias. Parece que a chance de fazer um plano anual (duração de 12 meses) e o praticante não frequentar a academia é grande. O fato é que muitas academias hoje oferecem apenas o plano anual como opção. Há um esforço para vender o plano, que é facilmente aceito devido ao baixo preço, porém não há atenção por parte da academia para manter o praticante frequentando a academia. Esse é vítima do viés de status quo, pois mesmo sem ir para a academia, continua pagando no cartão de crédito.
A maior academia de rede do Brasil tem impressionantes números com mais de 2,2 milhões de alunos, o que corresponde a 1% da população brasileira. Porém, não se sabe qual percentual desses de fato frequenta as franquias.
2. Avaliação física como fator motivacional
Muitas academias oferecem avaliações antropométricas como um fator que impulsionaria o comportamento, mas essa não é uma motivação relevante nas pesquisas. Hoje não é mais como antigamente, quando os profissionais faziam avaliação antropométrica com adipômetro (aquele instrumento tipo um alicate que mede a gordura corporal), pois a maioria das academias parece usar bioimpedância. Porém, em recente estudo, três dispositivos de bioimpedância subestimaram de maneira significativa o percentual de gordura corporal, com erro variando de 4 a 5,5% em todos os dispositivos.
Bioimpedância mostra-se um método impreciso para mensurar a composição corporalFonte: GettyImages
3. O ambiente tem culpa: academia não é só um conjunto de máquinas
O modelo de negócios que domina o mercado das academias está prejudicando a experiência que as pessoas têm com exercícios: ambientes escuros, música alta, impessoalidade e pouca orientação profissional, especialmente nas academias de rede. “A construção desse ambiente é proposital para gerar desconforto e as pessoas não permanecerem muito tempo aqui”, foi o relato de um proprietário de uma dessas academias.
Em pesquisa comparando três tipos diferentes de academias: low cost, academias multimodalidades e studios, os praticantes no último ambiente tiveram motivação mais autônoma e maior motivação intrínseca. Eles também tiveram mais suporte social. Ambientes menores e com atendimento mais personalizado tem conquistado seu espaço em algumas cidades.
Em pouquíssimas academias de musculação se explora o fato de que esses são espaços de relações sociais e que isso faz diferença para manter as pessoas motivadas. Embora para alguns praticantes o isolamento social (“fecha a cara e treina”) funcione para treinar, o básico “bom dia” parece ter se perdido.
As academias têm seguido no fluxo do mundo acelerado, com uma enorme rotatividade de pessoas. Observei que muitas delas tem relógios de parede com o horário adiantado, parece que para encurtar a permanência do praticante ali dentro, que sempre acha que está atrasado. A diversidade de máquinas já prontas para uso, faz com que o praticante não perca tempo colocando e tirando os pesos.
Em algumas academias menores, a intenção do estabelecimento parece ser manter as pessoas lá, pelo e além do treino, sendo um objetivo que elas frequentem diariamente o ambiente. Em uma passagem por uma delas, uma boa lembrança: uma mesa de sinuca e uma de pebolim (também conhecido como Totó, Fla-Flu ou pacau, dependendo da sua região no Brasil). À primeira vista para alguns pode ser uma besteira e que esses jogos de lazer não deveriam estar dentro de uma academia, mas se conseguirmos superar a visão limitada em relação ao ambiente de exercícios, poderemos visualizar como isso pode ser importante para os vínculos sociais – uma necessidade psicológica do ser humano.
4. Baixa supervisão profissional nos ambientes em geral
Estudos demonstram o potencial da supervisão profissional para otimizar resultados dos praticantes, porém o que se vê na prática é o inverso. Em diversas ocasiões me deparei com uma proporção de +100:2 nas academias, ou seja, mais de 100 praticantes simultaneamente, para apenas 2 profissionais no ambiente.
Ao frequentar academias em 10 países, percebi que se confirma uma ideia nas academias de musculação, em geral: nós, praticantes, apenas alugamos um espaço para nos exercitarmos, por conta própria. Mas existem exceções, ou seja, academias que possuem um bom atendimento profissional. Lamentavelmente, no meu tour, consegui contar essas com os dedos das mãos, mas de apenas uma.
5. A motivação dos praticantes não é um fator intencionalmente explorado
As academias não apresentam estratégias motivacionais baseadas em perspectivas teóricas consolidadas na literatura, como a Teoria da Autodeterminação, que tem como base para uma melhor motivação, a satisfação das necessidades psicológicas básicas dos praticantes: autonomia, vínculo social e competência.
Mais do que um conjunto de movimentos com pesos, realizados sob várias formas e repetidamente, e modernizados com máquinas complexas, a musculação, independentemente do nível, precisa fazer sentido para a vida das pessoas. Isso tem a ver com a motivação e as necessidades psicológicas básicas. Evoluímos estruturalmente nos espaços, mas não em nível humano.
Academias parecem evoluir em tecnologia, mas não no atendimento humanoFonte: GettyImages
Há 20 anos, pesquisadores relataram, em análise sobre academias, um fato que ainda é atual: “O espaço altamente organizado, a infraestrutura impressionante e os aparelhos de alta tecnologia transmitem a ideia de que os corpos que preenchem o ambiente devem ser adequados a este ideal de perfeição”. Porém, é um absurdo permanecer com a ideia de que apenas um tipo de corpo serve dentro de um espaço que é para cuidar da saúde.
As características do ambiente e de orientação profissional parecem não favorecer um comportamento que já é difícil para muitas pessoas: se exercitar regularmente. Nas últimas décadas, avançamos no nível de consciência das pessoas sobre os benefícios do exercício físico para saúde, porém não em níveis de prática. O mundo está mais inativo do que nunca.
Independentemente se academia de rede ou de bairro, busque um ambiente que você se sinta bem para praticar exercícios. A experiência que você terá será fator decisivo na continuidade da prática de exercícios.
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Fábio Dominski é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/UDESC). Faz divulgação científica nas redes sociais e em podcast disponível no Spotify. Autor do livro Exercício Físico e Ciência – Fatos e Mitos.